quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

A breve descrição do mundo por um cego

Acordei esta manhã e abri os olhos. Como há 15 anos consecutivos, nada estava lá. Pra contradizer, tudo estava lá, mas eu não podia ver, apenas sentir e ouvir.

Ao contrário das maiores dores de ser cego, os sentimentos que carrego ainda suprem a falta da minha visão. Ainda sou completamente capaz de sentir um abraço, o cheiro de uma flor, de dar e receber um Bom dia ou um Boa noite. Sou completamente humano. A única diferença entre eu e vocês, tirando o fato de eu não enxergar, é que eu não escolho com quer ser educado ou não, com quem ser gentil ou não, entre milhares de coisas.

Eu não vejo se a pessoa é gorda, ou magra demais. Eu não vejo se estou sendo educado com um negro, ou com um branco, pardo. Eu não passo pela minha “peneira” mental se devo ter a pessoa como amigo só pelo fato dela ser rica, ou devo me afastar dela. Eu não escolho alimentos pela beleza da embalagem, basta ele ser gostoso e me alimentar.  A única coisa que eu preciso saber se é bom ou não para recusar é a comida.

Seja gentil comigo e eu serei com você.

“Mas como serei amigo de um cego, se ele nunca poderá me ver?”. Eu te vejo mais do que muitas pessoas. Eu te sinto, eu me conecto a você, e nada pode mudar isso. Eu perdi a visão, mas ganhei uma intuição apuradíssima. Você pode sentir pena de mim, por eu não ter o que você tem. Mas eu também posso sentir pena de você, por não sentir a leveza que é viver sem maiores preconceitos e repúdios.

Eu sinto a vida em seu âmago e o que há de mais puro nela. Eu não posso ver se você está na moda, se veste a última tendência, não fará diferença pra mim. Seja amável, e isso bastará.

Meu mundo pode ser vazio. Eu posso não ver a beleza de uma flor, posso não ver minhas próprias mãos. Mas minha alma vê, e confesso, vê melhor do que via quando eu enxergava. 

Os olhos da alma transpassam uma calmaria incessante. Eu vivo e tenho sempre certeza de que quem me rodeia realmente me ama, me quer do lado, não me julga pelo o que eu sou ou pelo o que tenho.

Muito menos eu.

As pessoas que me procuram realmente se importam comigo, e sabem: eu não tenho nada supérfluo a oferecer. Mas tenho minha sabedoria, meus conselhos, minha amizade, minhas risadas, minhas piadas, e o mais importante de todos, meu amor.

Eu não te vejo, e pra mim, isso não faz diferença.

Independente de quem você for, me de o seu amor e eu te darei o meu.


Licença poética: O personagem da crônica acima é fictício e o enredo é fruto da imaginação da autora. Não é objetivo ofender e menosprezar moralmente qualquer doença. 

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