Primeiro dia na academia

Até que em fim tomei vergonha nessa cara! Paguei três meses agora tenho que ir. Meu cartão de crédito chorou, mas foi de propósito sabe? Pra eu ir mesmo, pra quando bater aquela preguiça eu imaginar meu dinheiro todo no bolso daquela gente bonita e rica.

Ah, isso não vai dar certo. Não tenho roupa! Olha esse shorts, marca toda a calcinha. Como eu vou agachar? Já sei, vou trocar a calcinha, vou colocar um bege, básica. Deus que me livre alguém saber que eu uso isso, mas é caso de vida ou morte. Mal coloquei a roupa já estou toda suada!  Pareço um colchão amarrado. Minha vontade agora é de me ajoelhar e chicotear as costas por ter comido tanto.

Colei até uma foto da minha barriga na porta da geladeira, sabe, pra dar incentivo. Toda vez que vou comer fora de hora, Pum! Uma barriga colossal está lá. Desanima, e tem dado certo.

Entro no ambiente da academia como se um pinguim estivesse na praia. Quanta mulher bonita, sarada. Vocês não comem não? Não tem comida na casa de vocês? E correm na esteira igual maratonistas. Bando de magrelas... Prefiro mil vezes eu. Professores malhados, dando beijinhos no rosto das meninas só pra flertar, enquanto toca uma música ensurdecedora. O lema ali é: ou malha ou cai fora.

Dou start na esteira e ando com o peito estufado. Eu quero, eu posso, eu consigo. Passadas firmes, fingindo ter intimidade com aquele monstrão de motor em baixo dos meus pés. Vou dar uma lavada nessa ridícula aqui do lado. Até que não está tão ruim. Já estou aqui a um bom tempo...

Três minutos?  A cabeça até girou! Como pode, tamanho esforço e amor empenhado a essa minha recém amiga, pra ter isso como retorno? É um sinal de Deus! Eu sabia que não deveria ter saído de casa. Deveria ter ficado quietinha sem esse monte de gente me olhando, isso aqui é loucura! Deveria ter feito aula experimental.

A peste aqui do lado me provoca de propósito. No visor dela já rodam 35 minutos e ela está lá, linda, intacta, gotinha de suor milimetricamente ao lado da orelha, toda linda, e ainda sorri. Magra.

Vamos puxar peso. Por favor, por favorzinho, que nenhum professor venha me corrigir, que eu faça isso certo. Me sinto uma fisiculturista, as veias dos braços saltam enquanto eu empurro com todo meu empenho e dedicação aquele monte de peso. Talvez eu possa aumentar. Vamos ver quantos quilos tem aqui... Seis. Seis? Seis!

Ninguém começa lá de cima, né? Estou aqui, orgulhosa com os meus seis quilos. As axilas já formaram uma pizza, acho que desde que saí de casa. Não é normal isso... Mas vamos lá, força!

Abdominais. Me dei conta o quanto a situação estava feia quando eu deitei no colchonete, olhei pra minha barriga e não conseguia enxergar ela... lá em baixo, sabe? Eu sei que você sabe. Que tristeza, se nós pudéssemos conversar, eu logo diria que já já aquele imenso chapéu iria ser eliminado dela. Antigamente eu a via sempre, agora...

Mãos em baixo do pescoço, vai, força! Gente... não consigo! É tanta gordura que a barriga não dobra! Não importa, sou insistente. Faço o quanto der. Hoje ruim, amanhã melhor. E se a calcinha bege estiver aparecendo? Ah... quando eu for rica, vou montar uma academia em casa, e poderei malhar até pelada. Todos devem estar olhando e falando: Olha lá a gordinha!

Que nada, deixa disso! Como eu penso besteira... Todos eles tiveram um primeiro dia, assim como eu.

Quase puxo um ronco nos intervalos dos abdominais. Confesso que agora mesmo passaria comprar uma casquinha de sorvete e comeria bem rápido. Mas logo lembro da foto na geladeira: NÃO! Não posso! Será que é tão difícil? Sou humanamente igual a todas as pessoas aqui.

Agachamento. Não é esse o exercício do bumbum? Então vamos fazer! Esqueça da calcinha bege, só você a conhece, graças ao bom Deus. Um ... Dois... tem que empinar bem forte? E esse monte de gente atrás de mim? Olhem pra lá... xô! Deixem eu, meu bumbum e minha calcinha malharem em paz! Sejam receptivos conosco.

A vontade de ir embora é grande. As cadeiras da recepção parecem tão confortáveis... as televisões passam filmes tão legais. Como vocês malham assistindo Harry Potter, ou Friends? Humanamente impossível.

Depois de uma hora e meia, me senti bem melhor do que ter comido uma travessa de lasanha. É, até que não é má ideia... Ninguém começa do topo, e é lá que eu vou chegar. Vou fazer a limpa na geladeira! Vou dar os doces todos para as crianças do prédio, e voilá!

Vou fazer do lema da academia o meu lema:

Ou malha ou cai fora.

Eu fiz os dois.

(As crônicas com a tag história são baseadas em personagens fictícios)